terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Apoio ao III Plano Nacional de Direitos Humanos

Na luta pela efetivação da democracia, dos direitos humanos e da construção de um país em que não se tolera mais as desigualdades o III PNDH cumpre um papel fundamental no sentido de nortear as Políticas Públicas. E sem dúvida representa avanços aos dois planos anteriores, no que tange à democratização do processo de construção do mesmo e nas próprias resoluções tomadas.

O Plano não se furta a tocar em questões essenciais para a construção
de uma sociedade com justiça, igualdade e soberania ao recomendar: a
descriminalização e a legalização do aborto, o apoio a uma legislação que garante igualdade jurídica para lésbicas, gays, travestis e outros, como a lei que reconhece a união civil entre pessoas do mesmo sexo, recomenda que se assegure um marco jurídico na questão dos
conflitos agrários e, por fim, recomenda a instituição de uma comissão para investigar os crimes de tortura perpetrados pelo exército durante a ditadura militar.

A apuração e o esclarecimento público da tortura praticada contra homens e mulheres que lutaram contra a ditadura militar são fundamentais para garantir o direito à memória e à verdade histórica.
Por isso, apoiamos a iniciativa do 3ª PNDH de, finalmente, instituir a comissão de verdade e apurar estes crimes, assim como foi feito na Argentina e Chile, por exemplo. A resistência dos militares sobre este assunto se soma com outras ações que faz em conjunto com o poder
econômico, pretendendo manter-se no controle do país, impedindo a real democratização da sociedade brasileira.

No tema do aborto, entendemos que esta será uma grande oportunidade de
realizarmos um debate honesto capaz de acumular contribuições que apontem para superação do arcaísmo e patriarcalismo que rege as idéias sobre o tema. É urgente que a legislação que criminaliza a prática do aborto e viola os direitos reprodutivos seja revista e alterada. E a
hipocrisia com que se trata o tema seja definitivamente enterrada.

No Brasil, são realizados a cada ano aproximadamente 1 milhão de abortos de forma clandestina, colocando em risco a saúde e a vida das mulheres pobres, especialmente as mulheres negras.

A frente nacional pelo fim da criminalização das mulheres e pela
legalização do aborto em sua declaração nacional de dezembro 2009 já chamava atenção: “Recrudesce no Brasil um processo de criminalização dos movimentos sociais, de organizações e militantes. Tal criminalização tem como objetivo bloquear o avanço das lutas por
direitos e transformação social.”

No caso da luta das mulheres não é diferente.

Forças patriarcais tradicionais - constituídas pelas oligarquias, a ultra-direita fascista e setores fundamentalistas das igrejas cristãs - nos últimos anos tem sido protagonistas de um processo de perseguição e criminalização da luta das mulheres por autonomia e autodeterminação reprodutiva.

Numa perversa aliança entre neoliberais e conservadores, vivemos uma
conjuntura de cerceamento do direito ao debate democrático sobre a
problemática do aborto, ao mesmo tempo em que cresce no Estado o poder
e influência destas forças, que ocupam o parlamento, os espaços de controle social e avançam no controle da gestão da rede pública de educação e de saúde.

Hoje, no Brasil, parte dos algozes da inquisição com suas vestes e capuzes tem uma nova face: o paletó, o jaleco branco, a toga, que no legislativo, nos tribunais, serviços de saúde, delegacias se arvoram a prender, julgar, punir e condenar as mulheres que, em situação limites de sua vida, optaram pela prática do aborto como último recurso diante
de uma gravidez indesejada. Neste sentido o III PNDH será um importante instrumento de luta.

Nós, integrantes da Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, reafirmamos:

- Nosso compromisso com a defesa radical das mulheres e movimentos
sociais engajados nas lutas sociais; e nosso compromisso com a
construção de um Brasil justo e democrático apontado no 3º PNDH.

- Nosso apoio ao Ministro Paulo Vannuchi em sua iniciativa de romper o
silêncio para apurar os crimes de tortura cometidos durante a ditadura
e sua decisão de não comparar lutadoras(os) da resistência aos
torturadores.

- Nosso apoio a toda iniciativa que faça avançar o direito a terra e a
reforma agrária.

- Nosso apoio à construção de uma sociedade sem preconceitos e com
direitos para as lésbicas gays, travestis e outros.

- Nosso apoio a todas as iniciativas para a democratização dos meios de
comunicação

E convocamos todas as mulheres e suas organizações a mobilizarem sua
inquietude, rebeldia e indignação na luta feminista pela defesa do direito das mulheres de tomarem decisões sobre suas vidas de forma soberana.

Exigimos dos poderes da República que mantenham o III PNDH em sua
integralidade, a observância dos Tratados Internacionais, dos quais o
Brasil é signatário, e a observância das resoluções das Conferências Nacionais de Políticas para Mulheres que colocam a legalização do aborto como um direito a ser assegurado para as mulheres.

Pela autonomia e cidadania de todas as mulheres!
Pelo fim da criminalização das mulheres!
Pela legalização do aborto!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

KIZOMBA E O MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO



Em julho de 2009, a União Nacional dos Estudantes realizou seu 51º Congresso, marcando 72 anos de história e 30 anos de refundação da entidade pós-ditadura militar. O espaço, responsável por organizar a política da entidade e eleger sua direção no próximo biênio, foi marcado por uma ampla tiragem de delegados na base do movimento estudantil, pelo ato em defesa da Petrobrás, pela reafirmação da posição da entidade pela disputa da sociedade, as contradições e os avanços da política brasileira, em especial, na temática da educação.
Com o final do primeiro semestre de gestão, é fundamental realizar um balanço das primeiras ações da entidade, que passam, certamente, pela discussão em torno da realização do congresso e das divergências políticas construídas no mesmo.
Duas polarizações podem ser identificadas ao longo do Congresso da UNE, que permitirão a construção mais completa do primeiro balanço da gestão.
A primeira se dá no campo da divergência estratégica construída a partir de diferenciadas visões da conjuntura nacional e, particularmente, da política educacional. De um lado, setores que entendem que o Brasil vivencia um aprofundamento do neoliberalismo e do ataque à educação pública, posição organizada por setores ligados a PSOL e PCR. Do outro lado, um campo que compreende as contradições e avanços na conjuntura nacional, reconhecendo o papel da entidade na disputa de hegemonia na sociedade a partir das rupturas concretas, e buscando avançar na superação do neoliberalismo no país. Resultado da polarização é a formação de um amplo campo em torno da segunda posição nas votações sobre as resoluções de conjuntura nacional e política educacional, englobando centralmente PT, PCdoB, PSB e PPL.
A segunda polarização reside na divergência tática em torno da direção da entidade. Nesse ponto, o campo que há pouco definiu de forma coesa a orientação estratégica da entidade se divide. O primeiro posicionamento é de que é preciso derrotar a atual direção da UNE e iniciar um processo de democratização da entidade. Um segundo, sustentado por PCdoB, setores do PT e PPL, afirma que a política de alianças da UNE deve se dar a partir da unidade do campo democrático popular e da preparação para os desafios colocados na atual conjuntura, como as eleições de 2010, a Conferência Nacional de Educação e o processo de democratização da entidade que vem tomando força no último período.
Conteúdo para lutar
Os dois principais elementos a serem destacados nesse primeiro balanço da gestão 2009-2011 devem ser a campanha do Pré-Sal e a retomada dos principais DCEs de Universidades Federais do Brasil pelo campo democrático e popular.
A campanha do Pré-Sal, materializada na exigência da destinação de 50% do Fundo Social para a educação e na discussão em torno da revisão da lei do petróleo brasileiro, foi caracterizada por um amplo grau de unidade dentro da entidade. Com resoluções aprovadas consensualmente, inclusive com campos da oposição, a UNE mostrou a importância de se construírem coletivamente as posições políticas da entidade a partir dos acúmulos do campo democrático e popular, fortalecendo o enfrentamento aos setores entreguistas da elite brasileira.
Dessa forma, podemos fazer um balanço positivo do início da campanha, visto que, por mais que se tenha optado nas comissões por não vincular nenhum tipo de receita no projeto de lei que trata do Fundo Social, a educação e a juventude foram colocadas no centro da discussão de desenvolvimento e do papel do estado brasileiro. Tendo a unidade política da entidade sido decisiva para o sucesso da campanha.
Com a aprovação do Pré-Sal tendo sido postergada para 2010, manter a unidade política e a mobilização da entidade em torno dos 50% para a educação é a principal tarefa do movimento estudantil brasileiro. O tema deve ser norteador da participação da entidade no Fórum Social Mundial Temático da Bahia e da edição comemorativa dos 10 anos de Fórum Social Mundial em Porto Alegre, bem como nas diversas calouradas organizadas pelo UNE no início do ano.
Tal posição coloca a UNE no centro da disputa a ser estabelecida em 2010, sobre qual a concepção de Estado e de sociedade defendemos para o Brasil, aliando o debate com a centralidade estratégica do investimento em educação e na juventude. Dando o pontapé inicial para a construção do projeto de sociedade que a entidade defenderá no processo eleitoral.
As vitórias do campo
O segundo elemento do balanço são as vitórias do campo democrático e popular em DCEs como os da Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tais espaços eram hegemonizados por políticas que estão na rota inversa aos avanços recentes na educação brasileira, seja por setores sectários da esquerda ou pela direta, e foram retomados por chapas construídas a partir do campo democrático e popular.
Assim, reforça-se a avaliação de que a organização do movimento estudantil, como reflexo da base do movimento, deve se dar centralmente a partir da unidade política do campo democrático e popular e da superação dos desafios impostos ao movimento social na atualidade. Qualquer outro elemento que fuja à unidade política na base, mostra-se artificial diante da construção de uma nova cultura política pela centralidade de um programa democrático capaz de superar os paradigmas neoliberais e apontar para o socialismo.
As vitórias do campo democrático e popular mostram que, na base do movimento, a polarização com nossos adversários, o esquerdismo e a direita, se dá no campo da política. Assim, é frágil e fora da realidade concreta do movimento estudantil a tese de que o desafio que orienta a tática é a crítica ao método na direção UNE.
Dessa forma, o campo democrático e popular avança na política e na sua unidade ao derrotar a direita responsável pela privatização da universidade brasileira e isolando o esquerdismo, para, assim, fazer valerem os avanços que temos tido na educação brasileira.

* Tiago Ventura é vice-presidente da UNE, eleito pelo campo Kizomba.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Atividade nacional da DS começa em fevereiro



Entre os dias 1 e 4 de fevereiro, em Brasília, terá início o projeto de formação política da nova geração de dirigentes da DS. Esse projeto tem duração de um ano e é composto por três momentos presenciais e processos de educação à distância.
Neste primeiro momento, serão abordados os seguintes temas:
· 30 anos de DS, da fundação à IX Conferência Nacional.
· Porque Democracia Socialista (da crítica ao capitalismo e ao stalinismo à nossa concepção de democracia socialista).
· Feminismo e Socialismo
· PT e DS (história e concepção de construção partidária).
O objetivo do projeto de formação política é instrumenmtalizar a geração mais recente de dirigentes da DS para contribuir com o esforço de atualização e superação dos limites programáticos para construção do PT rumo ao socialismo, criando, assim, um corpo de dirigentes capaz de discernir conjunturas e conduzir a tendência à direção partidária e à concretização de nossa estratégia.
Nesse sentido, o objeto do estudo e da formulação será a tradição da DS, analisada a partir da teoria marxista, e sua atualidade para a construção socialista do PT.
Os participantes já estão definidos pelas instâncias da tendência, considerando novos/as dirigentes da DS, que têm assumido tarefas de construção da corrente em frentes nacionais e em seus estados, nos últimos dois anos.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Um novo bloco histórico?

O ano de 2009 chega ao seu final com potencialidades promissoras para quem trava a luta democrática a partir de uma perspectiva socialista. É que, além do fato de a expressão política e a base social do neoliberalismo estarem em uma situação francamente defensiva, há um claro potencial de transcrescimento das lutas classistas e populares em direção a um novo programa de transformações do país.
O principal fato que organiza a conjuntura política continua a ser a incontornável popularidade do governo Lula, que está longe de ser, como interpretam alguns, um fenômeno personalista. Ela tem bases sociais, em partidos e coalizões, assenta-se em um conjunto de iniciativas políticas de grande envergadura, em um dinamismo crescente e, além disso, confirma-se claramente no plano internacional.
A própria situação muito defensiva da oposição neoliberal, liderada pelo PSDB, de seus porta-vozes na mídia empresarial, é uma evidência maior dessa dinâmica política ascendente. A desistência anunciada por Aécio Neves da candidatura à presidência do país está longe de ser um trunfo para a candidatura de José Serra: envolvida em um simbolismo negativo, não fruto de uma unidade, mas de impasse, ela prenuncia as dificuldades do atual governador de São Paulo em costurar uma unidade eleitoral e em disputar o segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais. O escândalo de corrupção que atingiu em cheio a principal liderança pública do DEM – o governador Arruda, de Brasília – tem revelado conexões fortes com empresas contratadas e operadores do governador do PSDB paulista.
Nem a dinâmica política atual anuncia uma provável dispersão eleitoral da base atual do governo Lula, como fruto das candidaturas eventuais de Ciro Gomes, pelo PSB, e de Marina Silva, pelo PV. Pelo contrário, os últimos meses têm sido marcados por uma dinâmica clara de afirmação da potência política e eleitoral da candidatura Dilma.
Essa dinâmica política, de conjunto, não deveria, no entanto, legitimar uma postura triunfalista, de dar por vitoriosa a luta político-eleitoral de 2010, antes mesmo de ela ter sido travada. Ao contrário, ela precisa ser mais bem compreendida para que suas resultantes reflitam todo o potencial de avanços possíveis.
Uma nova dinâmica de classes
O auge do período neoliberal manifestou-se pela supremacia do poder político dos capitais financeiros, com suas conexões internacionais, por uma condição subordinada dos capitais produtivos, pela situação defensiva das classes trabalhadoras e por um forte aviltamento da condição humana daquelas populações cuja sobrevivência depende diretamente das políticas públicas universalistas.
A crise econômica internacional, que atingiu um ponto de aceleração em 2008, evidenciando a crise no centro da geopolítica do neoliberalismo, os EUA, indicou que novas dinâmicas de luta de classe estavam abertas. Em particular, na América Latina e no Brasil, onde forças de esquerda e progressistas haviam alcançado um protagonismo político maior, essas novas dinâmicas de luta de classes apontavam claramente para a conquista possível de um período pós-neoliberal.
No Brasil, as eleições de 2010 podem encerrar o período neoliberal e abrir uma nova conjuntura estruturada pelo que vem sendo chamado de revolução democrática, isto é, a possibilidade de se alcançarem democraticamente transformações estruturais na vida política, econômica e social do país.
A principal mudança econômica em jogo é exatamente a mudança de regulação dos capitais financeiros através de uma nova configuração institucional republicana do Banco Central, acompanhada do reposicionamento estratégico dos bancos públicos. O Brasil foi tragado abruptamente pela dinâmica da crise, em outubro de 2008, exatamente pela via do crédito, frente à política catastrófica de elevação dos juros pelo Banco Central e pela ausência de regulação dos capitais financeiros privados, que elevaram os juros e enxugaram os canais de crédito, mesmo com a liberação dos depósitos compulsórios.
Hoje, a continuidade da direção neoliberal do Banco Central, em disputa com a opção desenvolvimentista e distributivista do Ministério da Fazenda, continua sendo um eixo a partir do qual os capitais financeiros privados e internacionais procuram se reposicionar frente a uma conjuntura adversa: iniciando uma nova campanha pela elevação dos juros básicos da economia em 2010, disputando diretorias do BC, fazendo carga contra medidas que inibam a valorização do real e a maior exposição cambial do país, em uma nova conjuntura de crescimento econômico forte. O próprio DEM chegou a liderar, no Senado, a aprovação de uma proposta que visava a institucionalizar a autonomia operacional do Banco Central em relação ao poder soberano do presidente da República!
Enquanto a direção do Banco Central e seu funcionamento institucional estiverem nas mãos dos financistas, uma dinâmica plenamente desenvolvimentista e distributivista não poderá se assentar em todo o seu potencial. Ou seja, toda uma nova lógica transformadora de classes, de seus poderes instituídos no Estado brasileiro, continuaria, pelo menos, parcialmente travada, pelo efeito que o manejo dos juros e do câmbio tem sobre toda a dinâmica e a estrutura relativa de preços da economia.
Hoje, na dinâmica que se seguiu à crise, o poder neoliberal do BC e dos financistas privados é, proporcionalmente, muito menor do que tinham. Seria necessário agora assentar as bases de uma transformação qualitativa, uma nova correlação de classes, que favoreça as classes trabalhadoras e os oprimidos. Enfim, posicionar estruturalmente na defensiva as forças do capital financeiro, alargar os espaços de investimento produtivo e, sobretudo, incentivar uma ofensiva estratégica das classes trabalhadoras e uma elevação qualitativa dos padrões de direitos dos setores mais pauperizados.
Democracia e transformações estruturais
O segundo mandato do presidente Lula conheceu uma contradição que se tornou típica dos governos nacionais progressistas na história republicana brasileira, em particular, na trágica experiência do governo Goulart. Isto é, a defasagem entre a popularidade dos mandatos executivos, democraticamente legitimados, e as posições de força dos setores conservadores no Congresso Nacional e também na mídia.
Apesar de somar mais de 70% em ótimo e bom – um recorde histórico jamais alcançado por qualquer outro governo nacional –, o governo Lula está muito longe de ter maioria para aprovar leis progressistas no campo trabalhista, agrário ou tributário. Se no período pré-64, as estruturas clientelistas somadas ao fato de que uma grande parcela da população pobre, analfabeta, não tinha direito de voto, explicavam esse fenômeno, hoje, isso se dá centralmente devido ao poder econômico no financiamento eleitoral e às campanhas de mídia empresarial.
Frente a essa contradição, o que o governo Lula tem feito é ampliar pragmaticamente suas coalizões partidárias e utilizar largamente o poder de iniciativa e patronagem do poder executivo central. Mas não sem grandes contradições, como a de ficar refém, por exemplo, da chamada bancada ruralista em relação a iniciativas decisivas no campo da reforma agrária.
De fato, o sistema partidário eleitoral brasileiro carrega hoje um forte déficit em relação às mínimas demandas progressistas, o que evidencia uma crise de legitimidade devido à recorrência de escândalos que escancaram o padrão anti-republicano de seu funcionamento. Há, pois, uma contradição democrática no centro da experiência brasileira atual e que precisa encontrar um caminho de superação. A reforma política – financiamento público de campanha, fidelidade partidária e voto em lista, institucionalização de mecanismos de democracia participativa, reforma da função e da representatividade do Senado – vem sendo apontada como um vetor indispensável de democratização do Estado brasileiro.
Já ficou claro que um encaminhamento meramente parlamentar não é suficiente para viabilizar tal reforma, até porque ela incide centralmente sobre disfunções e privilégios do próprio parlamento. Ela só pode crescer se for às ruas e se for vinculada à defesa das grandes transformações estruturais ansiadas pelo povo brasileiro. A chamada Consolidação das Leis Sociais, já anunciada pelo governo Lula, é uma dessas grandes reformas que funda no centro da institucionalidade uma dinâmica crescente e progressiva de afirmação e universalização de direitos.
Nova cultura e socialismo democrático
Faz parte da compreensão clássica dos autores marxistas, em particular, de Antonio Gramsci, que grandes transformações de estrutura social demandam um novo campo hegemônico, isto é, uma vasta luta político-cultural em torno a novos valores e racionalidades de civilização alternativas ao paradigma liberal.
Desde o início da crise de legitimidade do neoliberalismo no Brasil, tem havido fortes movimentos de mudança de consciência: de autoconfiança e identidades classistas e populares, de nova inserção da identidade nordestina no cenário nacional, de afirmação dos direitos dos negros, uma indicação de expansão social das mulheres nos planos da educação e do trabalho, dos direitos dos gays, de consciência latino-americana e, principalmente, de consciência ecológica. Todas as iniciativas do governo Lula tomadas no campo ecológico e que culminaram em seu protagonismo central na recente Conferência de Copenhague revelam esse dinamismo da opinião pública.Esse crescimento de consciência tem sido feito em contraste com os pontos de vista liberais. É mais do que um fenômeno conjuntural, deste ponto de vista, a situação de crescente perda de audiência da mídia liberal-conservadora.
É preciso que ganhemos consciência de que estamos envolvidos em uma dinâmica histórica muito ampla de transformação de identidades e de consciências. Daí a necessidade da identidade do PT nas eleições de 2010 expressar-se publicamente como relacionada aos valores e perspectivas do socialismo democrático. É preciso que este processo histórico muito amplo e plural de formação de consciências e identidades ganhe consistência utópica, formulando sistematicamente alternativas de civilização para além da vida organizada pelos valores mercantis e pela autocracia do grande capital.
Uma nova configuração da dinâmica de classes, uma nova configuração das instituições democráticas da representação e da participação, uma nova cultura de emancipação: a conjuntura das eleições de 2010 pode ser o caminho de passagem para uma dinâmica aberta de revolução democrática.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Os 60 anos de uma obra referência!!!



Beauvoir buscou mostrar que a própria noção de feminilidade era inventada pelos homens e tinha como intenção que a auto-limitação das mulheres. Questionava que, apesar de todo o avanço da humanidade até o século XX, a construção das mulheres como inferiores e sua posição de subordinação permaneciam, e eram poucas as pessoas que aceitavam denunciar ou condenar essa situação, mesmo entre as mulheres. Dizia que as mulheres tinham que se adequar aos ideais e interesses masculinos. Realizarem sua feminilidade as convertia em objetos e presas.
Por isso, as mulheres tinham que superar o eterno feminino que as engessava e formar o seu próprio ser, escolher seu próprio destino, libertando-se das idéias preconcebidas e dos mitos pré-estabelecidos. O livro buscou justamente desnaturalizar a construção da feminilidade e mostrar que esta é uma construção social. Foi daí que se tornou célebre a frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”.
Simone de Beauvoir pode ser considerada herdeira da primeira onda do movimento feminista, que teve nas francesas grandes expoentes como Olympes de Gouges, Flora Tristan, Louise Michel e tantas outras. O livro O SEGUNDO SEXO influenciou de forma decisiva o surgimento da segunda onda do movimento feminista, iniciada no final dos anos 60. Já foi traduzido para mais de 70 idiomas e continua sendo uma referência fundamental para as novas gerações e para o feminismo atual, inclusive para aquelas que são criticas à visão de Simone de Beauvoir.
A segunda onda do feminismo teve como centralidade as relações entre o mundo público e o privado e trouxe para o debate que aquilo que se vive na vida pessoal e familiar é político. Isso se deu tanto em relação às relações familiares, à sexualidade, ao afeto, quanto em relação ao trabalho invisível e não reconhecido das mulheres, a desigualdade salarial, a exclusão dos espaços de poder. A segunda onda defendeu a construção de um movimento autônomo, construído e dirigido pelas mulheres. Da mesma forma, colocou em debate a necessidade de construção de autoconsciência das mulheres como caminho para romper com o modelo de feminilidade que as aprisionava. As mulheres deveriam agir com liberdade e autonomia para decidirem por si mesmas seu destino, serem sujeitas de suas próprias vidas.
A atualidade do pensamento de Simone de Beauvoir
Atualmente, é cada vez mais comum ouvir que a vida das mulheres mudou muito, que já conquistaram tudo. Mas junto com isso, cresceu uma outra idéia de que as mulheres são mais protetoras, acolhedoras, cuidadosas, éticas. Essas características, muitas vezes, são usadas como argumentos para dizer que as mulheres são mais eficientes ou, até mesmo, superiores. À primeira vista, isso pode parecer algo positivo, como se fosse um contraponto às idéias de subordinação e inferioridade das mulheres, e assim, as teses de O SEGUNDO SEXO teriam sido superadas. No entanto, essa visão vincula as habilidades construídas pelas mulheres à maternidade e considera que existe uma essência feminina, fixando-as em seu papel tradicional. Portanto, segue não reconhecendo que as mulheres são dotadas de inteligência e razão, ao mesmo tempo em que vincula suas características à biologia.
Os dados atuais em relação à condição das mulheres mostram que um pequeno número obteve ganhos expressivos. No entanto, as mulheres são as mais pobres; são a maior parte dos desempregados; cada vez mais têm a responsabilidade de manter suas famílias sozinhas; tem aumentado sua contaminação pelo HIV; há um incremento no tráfico e na prostituição, etc. Há também um evidente retrocesso ideológico. Entre os exemplos disso está a expansão da mercantilização da vida e do corpo das mulheres, que também é marcada pela dimensão de classe.
De um lado, as privatizações dos serviços públicos e a diminuição do Estado de bem-estar, sob o neoliberalismo, aumentaram o trabalho doméstico e de cuidados. Ou seja, no mundo inteiro, foi sobre os ombros das mulheres que recaiu uma enorme carga de trabalho, com a diminuição das políticas sociais.
O outro lado da mercantilização é a imposição de um padrão de beleza como norma a ser cumprida obrigatoriamente e que, supostamente, pode ser comprada no mercado. Dessa forma, são vendidas centenas de produtos e tecnologias que prometem eterna juventude e o corpo perfeito, ou seja, magro. Essa perspectiva de beleza está vinculada ao que se pode consumir. Ao lado da indústria de cosméticos e da beleza, outro setor que aufere grandes lucros com a mal-estar das mulheres é a indústria de medicamentos. Esta também vende ilusões de bem-estar e felicidade enquanto invade o corpo das mulheres e nega sua autonomia. Mas, enfim, as mulheres devem ser agradáveis, flexíveis e bonitas, para mostrar que são adequadas e femininas. Quando uma mulher não se preocupa com a aparência, considera-se que algo que está fora do lugar, é um desvio. Assim, podemos concluir que continuamos diante de um modelo de feminilidade que aprisiona e nega a liberdade e a autonomia para decidir.
Nossa luta feminista por uma transformação integral da sociedade seguirá até que exista uma verdadeira igualdade entre todas e todos. Isso inclui que as mulheres possam decidir que mulheres querem ser e, então, superaremos esse modelo de feminilidade voltado para manter a desigualdade nos diversos âmbitos da vida. A contribuição de Simone de Beauvoir seguirá como inspiração que nos alenta a seguir em luta até que as mulheres sejam livres.


NALU FARIA é coordenadora da SOF - Sempreviva Organização Feminista. Artigo originalmente publicado na "Folha Feminista", novembro de 2009.